As enxaquecas são dores de cabeça muito intensas e debilitantes. Por terem um impacto negativo na qualidade de vida dos doentes, há quem procure online soluções rápidas e eficazes para aliviar estas dores.

No TikTok sugere-se que mergulhar os pés em água quente acaba com uma crise de enxaqueca. Mas será esta técnica comprovadamente eficaz? 

É verdade que pôr os pés em água quente alivia enxaquecas?

Em esclarecimentos ao Viral, Filipe Palavra, neurologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) e vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Neurologia (SPN), adianta que “não existe evidência científica” que comprove que mergulhar os pés em água quente alivia enxaquecas.

Na perspetiva do médico, esta mezinha, “a funcionar, só se pode explicar, eventualmente, pelo efeito placebo”. Ou seja, a pessoa acredita na eficácia do tratamento “e as suas queixas de dor de cabeça acabam por melhorar”.


Filipe Palavra questiona até se as pessoas que experimentam esta técnica estão a ter, de facto, “uma crise de enxaqueca”. Isto porque, “a enxaqueca é uma dor difícil” e este método, “do ponto de vista técnico e científico, não faz sentido nenhum”, justifica.


O neurologista explica que, “no auge da dor da enxaqueca, há uma vasodilatação importante dos vasos intracranianos”. Por isso, aponta, “o grande objetivo é promover uma vasoconstrição, com a medicação, para aliviar a dor”. 

Contudo, avisa o vice-presidente da SPN, “o calor é vasodilatador, portanto, ainda vai, aparentemente, dificultar mais” o processo.

Por outro lado, há a possibilidade de “a pessoa ter uma cefaleia de tensão – uma dor de cabeça menos intensa – e essa distração (a água quente)” pode “desviar a atenção do cérebro para outra zona do corpo, onde estamos a aplicar uma temperatura diferente”, sugere.

Filipe Palavra compara esta mezinha ao hábito antigo “de queimar a orelha quando se tinha uma dor herpética”. No fundo, o que se fazia era “criar dor numa outra localização, distraindo o cérebro da dor original”.


Existem causas concretas para as enxaquecas? 

Segundo Filipe Palavra, sabe-se que a enxaqueca “é uma doença complexa que resulta da interação de vários genes de suscetibilidade”.

Além disso, verifica-se que a doença tem “uma certa agregação familiar”, ou seja, em famílias com casos, “é provável haver mais pessoas afetadas com enxaquecas”.

Mas essa suscetibilidade é condicionada por “outros fatores ambientais”. Se é “a alimentação”, “a exposição solar”, “a exposição ao ruído”, “o stress emocional”, “a alteração do número de horas de sono”, não se sabe em concreto, porque “é muito variável”. 

Por isso, na perspetiva do médico, “é difícil conseguir dizer que, na presença de um fator específico, a pessoa vai ter uma enxaqueca”.


Como tratar as enxaquecas?

Como explica Filipe Palavra, “quando o número de crises é suficientemente elevado e tem um impacto significativo no dia a dia da pessoa, há indicação para fazer medicação preventiva”. De que forma?

Faz-se “medicação todos os dias, com o intuito de reduzir a probabilidade de ocorrência das crises e, se elas ocorrerem, diminuir a respetiva intensidade”, esclarece. 

“Mas isso não invalida a necessidade de medicar com o fármaco em SOS, quando se tem uma crise de enxaqueca”, frisa o neurologista. 

De facto, continua a existir a possibilidade de se ter uma crise e, aí, recorre-se a “um analgésico” para “tratar o momento agudo da dor”, acrescenta.

Apesar das opções de tratamento, não existe cura para a enxaqueca. No entanto, segundo Filipe Palavra, “há uma modificação da história natural da doença ao longo da vida”, logo, “há momentos em que a dor pode passar a ter características diferentes”.

O médico dá “o exemplo pragmático da mulher”. A partir do momento em que uma mulher “entra na menopausa, a ausência da estimulação estrogénica vai fazer reduzir o número de dias com dor e modificar as características e a intensidade da dor”, conclui.